sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Tico Santa Cruz

Em meio ao caos que se encontra a sociedade brasileira, em que a violência e os escândalos políticos tomam conta do cotidiano da população provocando manifestações e posicionamentos de coordenadores, personalidades e líderes de movimentos pela Paz e a justiça social observamos a presença de um jovem roqueiro barbudo.

Tico Santa Cruz, vocalista do Detonautas - grupo que já vendeu mais de 250 mil cópias de seus trabalhos, um número considerável para o mercado brasileiro, e já abriu shows de bandas internacionais como Red Hot Chilli Peppers - dedica seu tempo à música e aos protestos em razão de uma dura realidade da qual a própria banda foi vitimada com a morte de seu guitarrista Rodrigo Netto.

Envolvido em uma série de protestos e ações, Tico espera pressionar o poder público e despertar na sociedade o sentimento de revolta para as diversas formas de desrespeito e impunidade. Esta inquietude diante da realidade levou o roqueiro à ingressar no curso de Ciências Sociais na UFRJ.

Tico segue na busca dos espaços que a grande mídia lhe reserva e onde mais couber sua voz, como no Projeto Caravana - em que a ComCausa também contribui - que leva música aos presídios desde janeiro de 2007, e no grupo Voluntários da Pátria.

Batemos um papo com Tico para saber mais de suas idéias e ideais.

Além de seu sucesso como vocalista do Detonautas a gente te vê ativo em ações de questionamento do caos que vive a sociedade. Antes do sucesso como músico, que pensamento você tinha com relação a isso?
- Na época de escola meu perfil era naturalmente associado à rebeldia, nas aulas de História e Geografia eu perguntava algumas coisas que geralmente não estavam no currículo. Nunca participei de grêmios, nada do tipo, ao contrário, eu era a última pessoa que eles apostavam que pudesse ser alguma liderança dentro da escola, mas de alguma forma dentro da sala de aula eu sempre gostava de debater. No 2º grau eu comecei a colar uns cartazes, principalmente com relação à igreja - que era uma coisa que me incomodava -, a relação entre a inquisição e o conhecimento, o nazismo e a omissão da igreja na época da 2º Guerra, isso foi refletindo naturalmente do decorrer do meu amadurecimento. O Detonautas foi um meio que eu encontrei de expressar através da música estes questionamentos, embora as pessoas não prestassem atenção por que talvez o Detonautas para a mídia apareceu de uma forma um pouco mais superficial, mas desde o primeiro discos já existem músicas com este teor, como “Ladrão de gravata” do disco de 2001, “ O bem e o mal” que foi uma música que eu fiz dia 11 de setembro. No segundo disco tinha uma música que se chamava “O mercador das almas” que também fala de uma forma mais metafórica sobre pessoas que não tem nenhum escrúpulo em explorar os outros.

E as ações em paralelo?
- Começaram de um encontro no Letras e Expressões (livraria no bairro do Leblon), Universo da Leitura, e lá conheci outras pessoas e montei uma outra célula chamada Voluntários da Pátria que vai se estendendo por vários meios, tanto pelos protestos nas ruas ou pelos trabalhos nas faculdades, com debate, música, poesias e até por ações, como um documentário que estamos filmando sobre os protestos as passeatas. Estamos agregando cada vez mais pessoas dispostas para trabalhar em prol de alguma coisa que possa fazer a sociedade acordar, não neste sentido de mudança imediata, mas tentando agregar pessoas para despertar este sentimento. Daí pode ser que alguma coisa mude no futuro, quando todo mundo, ou boa parte, estiver disposta para enxergar o que esta acontecendo de fato. Por enquanto a gente e só um sinal de alerta, mostrando que não vamos compactuar com que está acontecendo.

O que você acha dos movimentos sociais, ONG´s tradicionais que hoje tem um certo distanciamento da juventude?
- De certa forma se distanciaram da juventude pela própria forma da juventude pensar, que me parece muito distante de qualquer tipo de preocupação social e política. A juventude tem estado voltada para interesses próprios, fazer vestibular, arranjar um emprego, não tem uma coisa de estudar para modificar o meio em que vive. Eu acho que isso faz com que esta desigualdade se torne mais evidente. Mas, acho que é o fruto de uma sociedade que não se preocupa com os jovens, como vivem, seus acessos a cultura, ao conhecimento, ao respeito. Então, estamos vendo a sociedade pagar o preço disso, desta negligência.

(Uma jovem que passava faz uma pergunta) – você acredita nos movimentos? Eu estava naquele protesto no centro da cidade e queria saber, no final das contas, se você acha que tem alguma solução?
- Eu n ão busco solução imediata, senão vou me frustrar, mas dez medidas que estavam travadas no Congresso há um bom tempo sobre segurança pública foram votadas, então isso é uma forma de pressionar. Agora, trinta pessoas pressionando é diferente de cem mil pressionando...
A mídia passou a dar mais atenção a isso e a divulgar. Isso faz com que as pessoas vejam outras se manifestando e sintam o desejo de se manifestar. Acho que é uma corrente! O objetivo é esse mesmo: que cada vez mais pessoas vejam que está funcionando e passem a pressionar o poder público, senão irão continuar roubando e agindo impunemente e a sociedade vai continuar apática e em coma. Percebo uma esquizofrenia na sociedade brasileira que não consegue associar a corrupção, o desvio de verbas e o não investimento nas questões básicas do cidadão ao que está acontecendo.

E o rock hoje contribui com essa luta?
- Não sei se existe esta preocupação da vertente rock and roll necessariamente voltada para conscientização. Existem muitas bandas, no underground, batalhando por um espaço um pouco mais digno, sem esta dificuldade de tocar no rádio, de ter um espaço para tocar com qualidade ou ter que pagar para tocar. No Rio ainda falta muito, em São Paulo existem mais bandas voltadas para o mercado independente que conseguem tocar e são respeitadas. Agora, no Mainstrean existem bandas como o Rappa, Nação Zumbi, que mantém vivo esse tipo de assunto. Acho que existem também outras formas de atingir a juventude, como da forma que o Detonautas utiliza, de pescar por um assunto e oferecer outro depois como um complemento. Ele escuta uma música de amor do Detonautas e entra no site para se deparar com questionamentos políticos e sociais. Cada um usa as armas que tem. Raul Seixas disse uma coisa que eu uso muito como lema: aprenda a usar as armas do inimigo.

Muitas bandas do circuito comercial hoje adotaram o amor como tema, você fala de um amor pleno, diferente de um amor romântico?
- Mais o amor é revolucionário, as pessoas tratam o amor na música de uma forma um pouco vulgar como se fosse uma coisa que não tivesse o mesmo valor do que uma crítica social, mas acho que o amor acima de tudo agrega as pessoas, em torno de uma coisa positiva, e dentro disso você pode agregar outros elementos. Eu trato também do amor homem e mulher, mas o amor que a gente prega é um amor que é a base da sociedade cristã, embora eu não tenha nenhuma religião, mas acho o princípio do cristianismo muito bonito - Ame ao próximo como a ti mesmo. As pessoas pregam adesivo no carro, mas não praticam, e quando você fala de amor não necessariamente você fala do amor da novela, você pode falar de amor ao próximo. O último clipe do Detonautas é uma campanha, Abraço grátis, pois é tão difícil vermos uma pessoa abraçar a outra e tão fácil de ver dando um soco na cara de outra...

O que você acha dos movimentos sociais, ONG´s tradicionais que hoje tem um certo distanciamento da juventude?
- É o único caminho, não existe outro. Os jovens hoje lidam com a política como se ela não interferisse na vida deles, e ela está em tudo. É a mesma coisa que ir ao cinema e ficar conversando durante o filme, você está dentro do cinema, mas não tá sabendo da história que está acontecendo ali - como ir votar e está pouco ligando pro seu voto... é o que diz respeito ao que vai acontecer na sua vida, da sua família, da sua comunidade.

Você uma pessoa pública que está participando ativamente dos movimentos, qual e a reação das pessoas com relação a o seu ativismo?
- Existe uma responsabilidade muito grande nessa história. Procuro sempre estar lendo a respeito, coisas que sempre me chamaram atenção até porque fiz Ciências Sociais na UFRJ, agora estou querendo me formar, e eu gosto, não faço para aparecer, eu estou à vontade nesta posição, dizer coisas que muita gente tem vontade de dizer e não tem espaço. Eu leio o que as pessoas escrevem, converso com as pessoas e só coloco a minha voz nisso, alguns pensamentos são pensamentos de muita gente que eu só estou amplificando. Então, é uma maneira sadia de usar o veículo que eu tenho para poder refletir as idéias de muitas pessoas. Está no momento de mostrar quem faz isso para outras pessoas quererem ajudar. Eu sou a favor que a gente use todos os espaços desde o programa mais tosco até o mais conceitual em prol de uma coisa boa para a sociedade e não só para chegar lá e dizer que quero vender minha música, meu disco e f(...)-se...!

Para finalizar, qual é a sua causa?
- Minha causa é mostrar que a violência está totalmente ligada ao desvio de verbas, a corrupção, a impunidade, a imunidade parlamentar, ao voto secreto no Congresso, a tudo que diz respeito à política que passa desapercebido no cotidiano do brasileiro, mas que é a raiz do problema. Algumas pessoas podem dizer que é a droga, o tráfico, mas antes de chegar até a droga a gente tem a questão da falta de educação, a falta de oportunidade e isso acontece também porque a verba não chega onde tem que chegar. A minha causa é tornar crime hediondo desvio de verba pública.





Rodrigo Netto - Mais um jovem vítima da violência
O Detonautas surgiu em 1997 quando Tico Santa Cruz e Tchello se conheceram num “chat” da internet. Em 1999, Rodrigo Netto entrou para a banda, no ano seguinte chegou Fábio Brasil, e em 2001, foi a vez do Cleston.

Em 2002 lançou o primeiro álbum e a música “Outro Lugar”, deste disco, que rendeu aos Detonautas o prêmio de banda revelação pela Rádio Rock, o VMB 2003 e o Prêmio Multishow. Dois anos mais tarde foi lançado o álbum Roque Marciano e o DVD com gravação ao vivo. Em 2006, eles lançaram Psicodeliamorsexo&distorção.

A história do grupo muda no dia 04 de junho de 2006, um domingo, quando o guitarrista Rodrigo Netto, de 29 anos foi assassinado durante uma tentativa de assalto numa das vias mais movimentadas do Rio, a Avenida Marechal Rondon, no Rocha - zona norte do Rio.

Segundo investigações Netto dirigia seu carro acompanhado de seu irmão, Rafael Netto, e de sua avó, Eliana de Andrade da Silva Netto. Quando um Astra, com quatro criminosos, tentou interceptar seu carro. O músico tentou fugir e os assaltantes atiraram. Rodrigo Netto foi atingido na axila esquerda por uma bala que atravessou seu peito. Rafael Netto foi ferido no ombro. A avó dos dois não sofreu ferimentos.
No mesmo episódio Geralda Vieira, de 55 anos, que estava parada em um ponto de ônibus com a neta de 3 anos foi ferida no supercílio por uma bala perdida.

Os bandidos fugiram deixando o carro usado no crime na região da Radial Oeste - principal via de ligação entre os bairros da zona norte e o centro do Rio - e roubaram outro veículo, um Audi preto.

Tico Santa Cruz logo depois do enterro promoveu um protesto contra o descaso dos governos. Apontou a corrupção que assola todos os escalões do poder no Brasil como uma das culpadas pela violência. A partir deste episódio, passou a alternar sua vida entre os palcos e as manifestações nas ruas.



 Fonte: http://comcausa.org.br/entrevistas/tico_entrevista.htm
Postado por @FaDetonautas